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CAPÍTULO 3-

A última página da segunda edição do Cogumelo Atômico fez um convite. O endereço é de um casarão que existia no centro da cidade e pertencia a um amigo do pai do Luís. 

O senhor decidiu apostar e o trio instalou-se em uma sala vazia do lugar, cedida sem cobranças.  Não durou. Foi depois dessa mesma edição que a sala foi reempossada. Ficou claro que os três nunca fariam dinheiro para pagar um aluguel. Ora, só comprar o papel para as impressões já era sofrido. A sede passou a ser no quarto do Luís. 

João José Leal era presidente da ASSAC. A Associação Artístico-Cultural de Brusque acabava focando em projetos mais eruditos, trazia músicos renomados para pequenos concertos na cidade e exposições. Mas o promotor enxergou naquele grupo que sentava aos pés do Cônsul, quase que diariamente, algo que era lacuna no resto da juventude brusquense. Do jeito deles, com recursos limitados, faziam arte e caçavam maneiras de levá-la a quem normalmente não teria acesso. Simpatizou com a causa e as caras sujas de tinta.  Muitas vezes, bancou o papel necessário para que o Cogumelo Atômico rodasse. Foi um dos grandes apoiadores do movimento. 

De toda a Turma da Pedra, provavelmente quem mais recebeu suporte de JJ Leal foi o Jorge Grimm. O promotor era mecena do jovem artista, que se aventurava entre a realidade e a fantasia em suas coloridas pinturas. Sua carreira começou desenhando no Cogumelo, sempre com protestos que reivindicavam uma publicação voltada para as artes plásticas. O trio nunca atendeu. Grimm achava que o jornal trazia música demais, gostava de artistas renomados e de descobrir colegas via correio. Os olhos miúdos analisavam tudo cuidadosamente. Admirava o talento dos amigos, mas não o seu compromisso com a arte.

almir feller zinho, jorge grimm e luís teixeira

Ainda assim, ele ajudava. O Cogumelo foi o primeiro a projetar Grimm para o cenário nacional. As páginas grossas impressas em uma só cor não faziam jus aos desenhos. Predominava o surrealismo abrindo trilha entre os recortes e poesias que figuravam no jornal. Não havia espaço vago. Alguma estrela, flor ou citação sempre aparecia para preencher o vazio. Os textos eram redigidos na máquina de escrever pelo Luís e os desenhos feitos à caneta, assim como os títulos. Conceitos como colunagem não eram levados em consideração. Muitas vezes uma peça era acabada com uma caixa retangular que a separava de pensamentos entulhados ao redor. 

Um par de edições mais tarde, o primeiro resultado. Eles enviaram seu jornal para uns caras que queriam receber e trocar publicações alternativas.  De Fortaleza, o novo camarada Lizoel  enviara dois poemas-canções para o Cogumelo. Em um deles lamentava a morte de Mamma Cass Eliot, no outro, talvez a necessidade de expressar-se? O jornalzinho ganhava fôlego. Outros membros da Turma da Pedra passaram a contribuir. As amigas Márcia e Leila, irmãs do Samuel e do Luís, tiveram seus textos publicados, dividindo espaço com letras de Chico Buarque e trechos da Bíblia. A tiragem crescia ao mesmo passo que a sede de alcançar mais e mais pessoas dava resultados. Na quinta edição já imprimiam frente e verso do jornal, o que significava ainda mais trabalho. Era preciso esperar o primeiro lado da folha secar para então passar novamente pelo mimeógrafo. Os sábados na Liga Brusquense de Futebol ficaram ainda mais longos. 

O trio vivia em função do jornal. Ninguém teve trabalho fixo por muito tempo e, se teve, era para bancar o papel e as despesas com cartas e selos. Inclusive, o Luís trabalhou um pouco no correio como telegrafista. E também decorando vitrines com o Buss. Na época, a cidade fazia  concursos entre as lojas nas datas comemorativas. Os dois estavam sempre entre os primeiros. Com o Samuel, o Luís tocava um projeto que chamavam Nossa Firma. Vendiam imagens em alto contraste que o Luís revelava e tratava em casa, enquanto o Samuel passava de porta em porta oferecendo o serviço. O Cogumelo era o destino de todo e qualquer centavo que chagava no bolso do trio.

vitrine zendron brusque

Passaram a enviar sua publicação para os grandes jornais e alternativos que já passavam de mão em mão pela Turma da Pedra. Logo, a iniciativa do trio brusquense passou a ter seu nome publicado em uma notinha ou outra e as primeiras edições, que haviam sobrado, foram despachadas para os leitores que queriam a coleção completa do Cogumelo Atômico. Era preciso reinventar-se para sobreviver e dar conta da demanda. O mimeógrafo foi abandonado, a equipe cresceu um pouco e quem curtia mesmo podia ajudar a bancar o projeto pagando uma  assinatura.

Anúncios de outros pequenos jornais começaram a dividir as páginas do Cogu com os textos do pessoal. Nada pago, era uma questão de camaradagem. Ninguém conseguia divulgar sua causa sem arrumar problemas no financiamento. Se as convicções batiam com as do trio, lá estava a recomendação de leitura para a audiência do Cogumelo Atômico. E vice-versa.

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